MULHERES INDÍGENAS NO RELATÓRIO FIGUEIREDO E AS DUAS FACES DA TUTELA

Safir Corrêa da Silva
Graduanda do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Pará - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Faculdade de História.

Layane de Souza Santos
Graduanda do curso de Licenciatura em História da Universidade Federal do Pará - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – Faculdade de História.

Resumo:

Pensar a violência como uma prática institucional do Estado Brasileiro contra os povos indígenas leva a compreensão de que esta é desempenhada ativamente quando há omissão quanto a crimes cometidos contra os povos indígenas e também no retardamento do cumprimento dos direitos indígenas sob sua responsabilidade.

Palavras-chave: Mulheres indígenas; Relatório Figueiredo; Tutela; Colonialismo.


Comentários

  1. Parabéns pelo trabalho, é uma discussão muito pertinente e importante. Durante a leitura do texto fiquei com muita curiosidade em saber o nome de algumas dessas mulheres indígenas que foram alvos de inúmeras violências, violações, mas que também resistiram contra o regime.

    No texto vocês comentam sobre as perseguições que o regime militar perpetrou contra os povos indígenas e fiquei pensando como se deu essas perseguições sobre os indígenas, em especifico, sobre as mulheres de diferentes regiões e que estavam no contexto urbano e se o Relatório Figueiredo trata dos indígenas no cenário urbano.

    Um último ponto que gostaria que comentassem é sobre as resistências mencionadas no texto, poderiam comentar como se deu essas resistências e se possível mencionar o nome de quais comunidades indígenas estiveram atuando nesse sentido.


    Kévia daniele da Silva

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    1. Olá, primeiramente, agradecemos sua contribuição à discussão.

      Já são quase dez anos desde que esta documentação foi redescoberta e muito já foi produzido sobre ela na área da História, das Ciências Sociais, do Direito e outras áreas. Utilizamos neste trabalho parte de um conjunto documental de quase 7.000 páginas, a serem exploradas ainda sob diferentes ângulos. Em suas páginas estão muitos povos indígenas de todo o Brasil, tornando-se inexequível uma listagem aqui sem deixar algum de fora. Na época em que as três Comissões de Inquérito citadas no trabalho foram instauradas, no Sistema de Proteção aos índios aqueles que contactavam mais diretamente os povos sob Tutela eram as Inspetorias Regionais, que não seguiam necessariamente a divisão regional tradicional e, abaixo delas, os Postos Indígenas, que construídos nas Terras Indígenas objetivavam aldear o povo ao qual se destinavam. Estes PIs podiam ser de atração, criação, pacificação, nacionalização entre outros (OLIVEIRA, 2020, p. 19). Alguns certamente ficavam relativamente próximos a cidades pequenas e havia circulação de alguns grupos constantemente, inclusive nessas cidades. No livro “Os fuzis e as flechas: História de sangue e resistência indígena na ditadura”, do jornalista Rubens Valente é possível verificar tal circulação, que muitas vezes era motivada por busca de melhorias na situação de vida, situação ligada diretamente às privações e descasos experienciados nos PIs, pela expulsão de alguns povos de suas terras ou caravanas de retorno para suas terras depois de terem sido levados compulsoriamente para outro lugar afim de que suas terras fossem vendidas.
      O conteúdo do Relatório diz respeito à listagem de crimes (CORREIA, p. 4926-4977) e encaminhamentos para a indiciação dos indivíduos que tivessem cometido apropriação indevida dos bens que estavam sob a responsabilidade dos chefes de Posto e também das Inspetorias Gerais, no entanto, como destacado no trabalho, os casos de violência contra a pessoa dos índio são reincidentes. Para os pesquisadores, tais informações tornam este documento um valioso meio de aprofundarmos as pesquisas sobre o que os povos indígenas experimentaram no período da Ditadura no Brasil.
      Para ir mais afundo nas estratégias indígenas a partir de suas experiências com o Estado Brasileiro no período trabalhado, destacamos os seguintes trabalhos: Elena Guimarães em sua Dissertação (2015), Amanda Gabriela Rocha Oliveira, em sua Monografia (OLIVEIRA, 2017, p. 59-63) e Dissertação (2020), que utilizam o RF para, entre outras discussões, refletir sobre a perspectiva indígena sobre as experiências nos anos de chumbo. Assim como outros trabalhos que seguem este viés, a autora utiliza os depoimentos kaingangs, contidos juntamente com o que foi coletado na 7ª Inspetoria Regional, que abrangia o Sul do Brasil, através destes é possível pensar em como estes indivíduos, mesmo sob forte represália, utilizaram este meio de denúncia a seu favor. Já é possível encontrar uma quantidade considerável de trabalhos acadêmicos, principalmente de autores e autoras que se debruçaram sobre os reformatórios criados no período, que utilizam esta documentação associada a depoimentos de indígenas que através das memórias de suas grupos e povos compartilharam tais vivências.

      (Continua)

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    2. Nas páginas da síntese é possível identificar alguns dos crimes perpetrados por homens e mulheres a serviço do SPI e os nomes ou alusão às mulheres indígenas que foram alvos destes, além disso, na síntese há a indicação da página em que o processo se desenrola. Antes de citá-los, destacamos que os termos utilizados muitas vezes suavizavam a violência empreendida. Para exemplificar o conteúdo da Síntese, seguem alguns trechos: “Índia Leonora”, da “tribo dos Tucanos”, aliciada para ser amante (CORREIA, 1967, p. 4928); “índia” (sem nome) da Ilha do Bananal, seduzida por servidor (CORREIA, 1967, p. 4930); “Índia Terena do Pôsto Indígena Ipegue”, deflorada “no próprio recinto da sede da Inspetoria” (CORREIA, 1967, p. 4934); “duas índias” espancadas por uma servidora do SPI, sendo esta responsável pelo desaparecimento de uma delas no “Pôsto Indígena Vanuire” (CORREIA, 1967, p. 4936).

      Obs: Todos os textos citados nesta resposta estão devidamente referenciados nas Referências Bibliográficas do texto “Mulheres indígenas no Relatório Figueiredo e as duas faces da Tutela”.

      Para consultar a Síntese do Relatórios segue o link: . Acesso em 23 de fevereiro.

      Atenciosamente, Safir Corrêa da Silva e Layane de Souza Santos.

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  2. Olá, parabéns pelo ótimo texto. Fiquei curiosa para saber por que que a ditadura civil- militar perseguia os índios? E por que maltratavam as mulheres indígenas embora muitas lutacem contra eles ainda sofriam maus tratos ?
    Maria Karoline Campelo Bezerra

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  3. Olá Karoline, agradecemos sua pergunta.

    Primeiramente rememoramos que nos períodos Colonial, Imperial e Republicano, quer sob um Estado ditatorial ou democrático, a violência que ocorria nestes diferia da que ocorria entre os povos indígenas antes da colonização, uma vez que era regida por outra lógica. Com o encontro de diferentes povos europeus e os povos indígenas do território denominado atualmente como América, a violência baseou-se na visão de alteridade com relação a quem era considerado humano em cada um dos momentos.
    Então, o que se vê no momento da ditadura civil-militar no Brasil são resquícios de uma visão que conferia um lugar de inferioridade ao indígena, que foi associada um discurso no qual se baseou a natureza do Serviço de Proteção ao Indígena de proteção tutelar, desde sua fundação em 1910, que era de cunho positivista. Segundo esta proposta por serem incapazes de exercerem seus direitos, os indígenas precisam ser tutelados, portanto, seus bens, propriedades e seu local de habitação deveriam ser determinados por um órgão maior, sob o Estado.

    (Continua)

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  4. As estratégias adotadas por diferentes povos indígenas iam desde a resistência aos deslocamentos, retaliação, ou manifestações, quer violentas ou através de denúncias, motivadas por insatisfação com as ações dos funcionários do SPI. Quanto às mulheres indígenas, a violência tinha várias motivações e objetivos, como é possível perceber nas páginas da Síntese do Relatório Figueiredo e nos textos de autores que analisaram esta relação de alteridade entre a sociedade nacional e os povos indígenas. Mesmo que houvessem estratégias de escapar às decisões do SPI, a perseguição executada por grandes proprietários através de jagunços, a falta de meios para viver, expulsão de suas terras, as doenças que dizimavam quase totalmente grupos com centenas de indivíduos e a omissão do Estado em questionar crimes denunciados, associados, tais fatores contribuíam para a perpetuação de práticas criminosas.

    Atenciosamente, Layane de Souza Santos e Safir Corrêa da Silva.

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